As relações de trabalho em geral alienam o trabalhador de diversas formas. É comum que a pessoa não tenha autonomia sobre como executa o trabalho, não consuma o produto do seu trabalho, e não veja/entenda o sentido do seu trabalho no produto final.
Também é comum que a pessoa não tenha informações suficientes sobre seu ambiente. Sobre seus colegas, suas ferramentas, sobre onde seu trabalho encaixa no grande esquema das coisas.
São quatro dimensões diferentes, e o grau de alienação em cada uma delas pode variar independentemente. A pessoa pode ter noção do seu impacto mas estar completamente alienada na escolha de como executa seu trabalho, por exemplo.
Se você procurar as teorias populares da gestão antiga vai notar que tudo incentiva a alienação do trabalhador, porque um trabalhador alienado é mais fácil de controlar e de explorar. Essa visão é ultrapassada e anacrônica, além de profundamente disfuncional. Muitas empresas ainda buscam alienar o trabalhador, mas pagam essa conta no resultado dos seus produtos e serviços, que acabam sendo piores e/ou mais caros.
Boa parte disso tem a ver com a tecnologia, que mudou como as pessoas executam o trabalho. O trabalhador braçal alienado nos tempos de hoje desempenha pior. O trabalhador do conhecimento alienado desempenha *muito* pior.
As empresas que entenderam isso ainda querem dominar e explorar o trabalhador, então buscam diminuir sua alienação, mas só na medida em que isso aumenta seu lucro — e pra isso nem todas as dimensões precisam mudar muito. A ilusão de autonomia e sentido pode ser suficiente.
Por isso vemos que tantas empresas hoje fazem desenvolvimento de software ágil, mas só de mentirinha, capenga, insípido. Isso porque agilidade de verdade desaliena demais o trabalhador em dimensões que podem ser perigosas no controle e na exploração.
Um time autogerido não vai querer ficar fazendo horas extras o tempo todo, por exemplo, e, pra muitos gestores com mentalidade do século passado, isso não é aceitável. Esse é só um exemplo, a agilidade desaliena em todas as dimensões, e é verdadeiramente ameaçadora.
De onde vocês acham que tiramos os valores da Lambda3, empresa que fundei? Da agilidade. A desalienação nasceu com a gente. Já lidei tanto com isso que esse anos todos me confirmaram o quanto o processo tradicional de gestão é nocivo e antiético.
O processo de emancipação do trabalhador passa por questionar esses valores, questionar o papel do trabalhador na sociedade e rejeitar a alienação, em um processo revolucionário que começa nas empresas, mas termina na sociedade como um todo. Não é evolução, é revolução.
Todo trabalhador tem direito a ter sentido e autonomia no seu trabalho. Mas o trabalhador de tecnologia tem oportunidade de realmente encontrar esses valores. Estamos num momento de privilégio sem precedentes. Não sei quanto tempo isso vai durar e não quero esperar pra descobrir.
Fica aí para reflexão de cada um: o que você tem feito com seu privilégio? Tem ajudado outros trabalhadores? Está se sujeitando a alienação? Por quanto está vendendo seus valores e sua liberdade?
Não sou um teórico desses assuntos, isso tudo é só uma reflexão que tive. Tem gente mais estudada que eu pra falar sobre isso, acredito que algumas destas podem deixar seu comentar. Preciso ler mais pra ancorar o que já sei. Já bebi em muitas fontes, mas tenho muito a caminhar.
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(Este artigo é uma transcrição e adaptação do cordel publicado pelo autor no Twitter: https://twitter.com/giovannibassi/status/1557093919112003585).