Havia, até recentemente (e há quem diga que em alguns lugares ainda existe), uma prática monstruosa, que consistia em furar os olhos dos passarinhos, na crença de que, cegos, cantariam melhor. Esse foi o destino trágico de muitos curiós, sabiás e chopins, pegos em arapucas, condenados a ficar em gaiolas, cantando no escuro pelo resto de suas pequeninas vidas.
Na Europa, por séculos, aficionados pelo canto dos pássaros queimavam os olhos dos estorninhos, para melhor ensiná-los a cantar temas específicos. Mozart teve um estorninho de estimação por três anos. Comprou e levou o passarinho pra casa, porque o ouviu cantar o tema de um concerto seu (os primeiros quatro compassos do rondó do concerto para piano nº 17) – um mistério que ele nunca solucionou, já que o concerto ainda não havia saído da partitura. Mozart, que tinha um carinho especial por pássaros, nunca cegou seu passarinho para ensinar-lhe temas. Pelo contrário, inspirou-se em seu canto para criar temas para suas obras. Quando o passarinho morreu, fez para ele um funeral com a família e amigos, e escreveu um poema em sua homenagem – um poema cômico, mas terno.
É um enigma, para mim, como pode gostar do canto de um passarinho alguém que é capaz de furar ou queimar seus olhos. Mas os nazistas também ouviam Mozart.
E, dentre as crueldades que os homens fazem, não apenas com os pássaros, mas também com outros seres humanos, de repente me lembrei que, na Grécia antiga, os reis mandavam furar os olhos dos poetas – não para que cantassem melhor, mas para que não voassem para os quintais de outros reis. Dizia-se que as musas os cegavam, por ciúmes. Mas os ciumentos, na verdade, eram os reis. O ciúme cega e faz cegar.
Assim cantou o poeta, que não era cego, mas — como Camões — ficou cego de um olho, Luiz Gonzaga:
Tudo em volta é só beleza
“Assum Preto”, Luiz Gonzaga
Sol de abril e a mata em flor
Mas assum-preto, cego dos óio
Não vendo a luz, ai, canta de dor.
No canto e na dor, como se aproximam os homens e os pássaros.