Minha música preferida de Belchior


É engraçado que não sou um grande adorador da MPB, mas Belchior era uma exceção. Gostava muito mesmo de várias de suas canções. Ele era um poeta, com poder único de expressar a vida e o cotidiano. Diria que ele poderia ser o nosso Bob Dylan.

“E a única forma que pode ser norma
É nenhuma regra ter
É nunca fazer nada que o mestre mandar
Sempre desobedecer, nunca reverenciar”

— Como o diabo gosta (do álbum Alucinação, 1976)

Sabem que eu gosto muito dos Beatles. Belchior amava os Beatles. Tinha várias referências da banda em suas músicas.

Pois Belchior escreveu uma vez uma canção chamada “Comentário a respeito de John” que acabou me tocando profundamente, embora alguns anos depois de lançada, quando eu realmente conheci a música. Essa época foi muito interessante na minha vida.

Estava em meus 20 e poucos anos e estava em uma fase saindo da minha adolescência e caminhando para a idade adulta. Recebia diversos estímulos que faziam minha cabeça fervilhar e sensibilizavam cada vez mais um jovem que sempre viu na música uma maneira maravilhosa de se expressar. Isso numa época que eu estava me preparando para “sair de casa”, tomar meus próprios rumos.

Por outro lado, também estava numa reflexão sobre o mundo estranho e estúpido em que vivíamos (e ainda vivemos) e do que eu poderia fazer para influenciar este mundo e a comunidade em que eu vivia de maneira positiva.

Neste período eu estava me reconectando com John Lennon, revisitando várias de suas canções, especialmente do Álbum Branco, mas também canções “novas” de sua carreira solo, como Instant Karma ou Watching the Wheels, que de uma certa forma falam disso.

Eu tinha melhorado muito meu entendimento do Inglês e agora não só a música me tocava, mas também a poesia. Conseguia entender as ironias e as conexões entre as obras que escutava e lia. As músicas que contavam estas histórias que falavam não só de flores e paixões mas também do mundo cruel e de que precisamos mudar me atraiam cada vez mais.

Já conhecia Belchior pela canção “Medo de avião” que era MUITO Beatle, dentre outras, como “Velha roupa colorida”, em que ele citava seguidamente as coisas da minha banda preferida, mas também conectava com nossas coisas, brasileiras. Mas escutei “Saia do meu caminho”, como é conhecida por alguns, somente nesta época.

Comentário a respeito de John foi como uma revelação para mim. Um canto que refletia claramente meus sentimentos, uma conversa “nossa” com um dos meus ídolos, meu “amigo” John Lennon.

Desde lá, sempre me emociono quando escuto Belchior falando com o nosso camarada, o João.

Belchior era um grande poeta brasileiro. Obrigado por tua arte. Descansa em paz.

Saia do meu caminho
Eu prefiro andar sozinho
Deixem que eu decida a minha vida
Não preciso que me digam
De que lado nasce o sol
Porque bate lá meu coração

Sonho e escrevo em letras grandes,
De novo
Pelos muros do país
João!
O tempo
Andou mexendo com a gente sim!
John!
Eu não esqueço
A felicidade
É uma arma quente
Quente, quente…

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Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes nasceu em Sobral em 1946 e viveu seus últimos anos de vida no Pampa Gaúcho, em Santa Cruz do Sul, vindo a falecer em 30 de abril de 2017. Foi um dos primeiros cantores de MPB do nordeste brasileiro a fazer sucesso nacional, em meados da década de 1970.