O cristianismo estragou nossa leitura dos evangelhos.
A narrativa de Lucas do nascimento de Jesus é uma das mais lindas peças da literatura. Lucas era um literato. E, como bom escritor que era, ele fez uma linda antecipação ao colocar o recém nascido Jesus em uma manjedoura.
A gente se acostuma tanto com essas palavras que nem se dá conta mais do seu significado. O que é uma manjedoura? A manjedoura é um cocho, o lugar onde os bichos comem.
Imaginem só. Jesus nasce e é colocado num comedouro!
O autor está dizendo: este nasceu para ser devorado. E a imagem antecipa o episódio da última ceia, quando Jesus, repartindo um pão, dirá aos seus alunos, já amigos: este pão sou eu, dividam e comam.
Que linda metáfora (que a instituição da eucaristia transformou quase num ritual pagão, fazendo com que o imperador inca Atahualpa exclamasse: “Que bárbaros! Eles comem o próprio Deus!”): um mestre usando o pão como metáfora de si mesmo ao dá-lo aos seus alunos. O mesmo que disse “nem só de pão vive o homem, mas de toda PALAVRA que sai da boca de Deus”.
O pão da sabedoria. Quem come dele no natal? Nem só de peru vive o homem… mas também de um pouco de reflexão.
A imagem é de Rembrandt. Adoro o modo como a luz que vem da criança ilumina mais do que o lampião que o homem segura. Pra mim, esta imagem é a que mais transmite a atmosfera de paz e simplicidade deste evento fora do comum: Deus nascendo em forma humana, em um estábulo, no meio dos bichos, entre a palha e o esterco, porque não encontrou hospitalidade humana. É coisa de gênio!
A propósito: feliz natal – e paz na terra aos homens de boa vontade.