Só acontece comigo…
Trazendo o carro para a revisão, e enquanto espero ser atendido um senhor senta ao meu lado e puxa conversa. Apesar de só entender 30% do que ele diz, graças a uma mistura de sotaque e dicção, dou corda e vou escutando atento.
Em dez minutos, ele me contou:
– Que era mecânico.
– Que um dia uma moça chamou ele para almoçar na casa dela, ele levou uma garrafa de refrigerante ou de cachaça (não entendi direito essa parte). Lá chegando, a moça, que ele nunca tinha visto antes, disse para a mãe que ele era o marido dela. E ele não desmentiu.
– Que conhecia o Rio de Janeiro. E, ao saber que eu era de Niterói, perguntou se eu acreditava “que aquele índio lá” (Araribóia) havia atravessado a Baía de Guanabara a nado.
– Que era do Ceará, um lugar muito ruim, onde as pessoas passam fome e mentem muito. E que viu muita gente comendo comida no lixo em São Paulo.
– Que pobre come comida no lixo e não sente nada. Rico, se comer, morre.
– Que gente é que nem carro, tem sistema de descarga. Quando come, precisa peidar. Uma vez foi a um churrasco e comeu cebola, sem saber que isso estufava. Só conseguiu dormir depois de ir ao banheiro. Outra vez comeu uma melancia sozinho e não conseguiu dormir. Perguntei se melancia era como cebola. Ele disse que não, mas dava muita vontade de mijar.
– Que coveiro é a profissão que mais bebe. Que conheceu um coveiro em Jaraguá que dormia nas covas do cemitério. Bêbado e fedendo a osso. Disse ainda que macumbeiro não tem medo de nada, mas uma vez um macumbeiro estava invocando um preto velho no cemitério de Jaraguá, quando o coveiro acordou. E o macumbeiro saiu correndo.
– Que o jumento anda devagar por alguma treta entre São José e o Menino Jesus. Não entendi direito essa parte.
– Que do outro lado da Dutra, em frente à Basílica de Aparecida, tem um bordel. Ele uma vez questionou o reverendo sobre a situação, mas não teve uma resposta satisfatória.
– Que cavalo, quando corre, não olha para trás. Parece que é o único animal que faz isso.
– Que vaquejada é lindo.
Isso foi o que consegui entender. 30%. Talvez tenha sido um pouco mais de 10 minutos.
Ah, sim, acabo de lembrar “como” ele puxou conversa comigo. Eu estava no celular, jogando Real Racing, para passar o tempo até ser atendido. Ele senta do meu lado, olha para a tela e diz: “Isso aí é o Rio de Janeiro, né? É igual Copacabana. Eu já fui à Copacabana…”.
Tive que desligar o celular e dar atenção, pois ficou evidente que ele não ia desistir de falar e prometia ser interessante.
Como realmente foi.
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