Sentada à minha frente, no lotação, talvez a pessoa mais chata que eu tenha visto no auge dos meus quase 35 anos. É uma mulher, talvez no auge dos seus 55 anos, sentada ao lado do seu acomodado marido, cujos traços físicos declaram a sua semelhante idade à mulher do “sim”.
Absolutamente em cada esquina, ela descobre algum problema: seja a Kombi estacionada em local julgado por ela inapropriado (e não estava), seja falando de uma pessoa obesa que caminhava a passos curtos pela calçada alheia, seja falando do perfil do motorista do lotação que, na opinião dela, fazia o veículo sacudir muito, causando enjoo (pensei em retrucar falando sobre os buracos das ruas de Porto Alegre, tão comuns quanto perigosos, mas resolvi continuar a observar).
Era uma pessoa nitidamente com a síndrome da chatice sem motivo algum, é a “chata pra cacete lifestyle”. Não há motivo aparente para tal comportamento, apenas uma vontade que deve coçar a garganta da mulher em falar coisas chatas e sem justificativa racional às oito e meia de mais uma manhã úmida de Porto Alegre.
Segundo o aplicativo do meu celular, o Shazam, a trilha sonora do lotação é crédito de Lucas Moraro, cuja música “Mundo dos Desencantados”, é uma das coisas mais terríveis que eu já escutei na vida, mas absolutamente perfeita para esta cena pitoresca e novelesca que estou a acompanhar nesta quarta-feira de cinzas (mas logo o Sol aparece, para a minha felicidade cutânea e ocular).
Após esta valiosa experimentação social, e já chegando ao meu feliz destino, eis que a mulher toma a melhor atitude do seu dia: pede ao motorista que ligue o ar, pois todos os vidros estavam embaçados.
Olho para o vidro ao meu lado e vejo a cidade desfigurada. Bem, pensei, esta mulher tem picos de sanidade, afinal de contas.
E ela nem era tão chata assim.