Como Rutger Hauer elevou sua participação em Blade Runner com o monólogo “Lágrimas na Chuva”

Reconhecido pelo seu talento e participações em adorados filmes de Hollywood como “O Feitiço de Áquila” (Ladyhawke) e “A Morte Pede Carona” (The Hitcher), Rutger Hauer ficou marcado por sua inesquecível atuação no cult de ficção-científica “Blade Runner” de 1982, dirigido por Ridley Scott, em que interpreta o andróide Roy Batty.

No filme, Roy Batty é um replicante rebelde que queria ter mais tempo de vida. “Replicante” foi um termo criado por Ridley Scott para designar os andróides da história, que eram construídos para trabalhar nas colônias que a humanidade tinha em outros planetas.

Diz-se que Scott evitou usar “andróide” para evitar quaisquer preconceitos com as máquinas, que têm aparência de pessoas comuns, vontade própria e sentimentos, sendo mais próximas de um clone de um humano do que um robô. Entretanto, pela maneira que foram construídos, os replicantes têm um período de vida muito limitado e quando chega o momento final, eles simplesmente desligam.

Voltamos a Hauer e sua atuação no longa, cujo ponto alto é, sem dúvida, o monólogo “Lágrimas na Chuva”, quando o replicante, frente ao seu algoz interpretado por Harrison Ford, entende que está no final de sua vida. Modificando sua fala derradeira, o ator imprimiu sua arte de forma indelével, transformando a cena em um momento inesquecível e cultuado.

O músico português Marcelo Tavares nos conta a história deste grande momento do filme Blade Runner.

Na noite anterior à filmagem dos momentos finais de seu personagem Roy Batty, Rutger Hauer sentou-se no seu quarto de hotel para revisar o roteiro. O monólogo original, escrito por David Peoples, era funcional e detalhado, mas Hauer sentiu que faltava algo.

Em vez de reescrever tudo, fez ajustes. Cortou partes que considerava excessivamente técnicas e simplificou a linguagem. Acima de tudo, acrescentou uma frase que tornaria a cena imortal: “como lágrimas na chuva”. No dia seguinte, ao filmar a cena, Hauer apresentou a sua versão. O diretor Ridley Scott e o roteirista David Peoples sabiam que ele queria modificar o texto e aprovaram a alteração.

A cena decorre debaixo de chuva intensa. O replicante Batty, próximo de sua morte, segura uma pomba e recorda o que viveu. No seu último suspiro, reflete sobre a impermanência das memórias:

Vi coisas que vocês pessoas não iriam acreditar. Naves de ataque em chamas ao largo de Orion. Vi raios-C brilharem no escuro perto do Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos irão se perder no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.

A equipe ficou emocionada com a interpretação, mas não houve aplausos imediatos, como algumas histórias mais tarde sugeriram. No entanto, Scott reconheceu que tinham acabado de captar algo especial.

O impacto do monólogo foi profundo. Inicialmente concebido como um vilão direto, Batty tornou-se uma figura trágica, um ser artificial que, no seu fim, expressa algo profundamente humano: o medo de ser esquecido, a tristeza da impermanência e a beleza dos momentos fugazes.

Com o tempo, Blade Runner tornou-se um clássico cultuado e a cena final de Batty é um dos seus momentos mais icônicos. A frase “como lágrimas na chuva” tornou-se símbolo da efemeridade da vida e é citada em debates sobre Cinema, Inteligência Artificial e Filosofia.

Mais tarde, Hauer recordou o momento, dizendo que queria dar a Batty uma morte digna. Ao simplificar o discurso, tornou-o mais poético e inesquecível.

O seu instinto estava certo. O que poderia ter sido apenas um replicante desligando transformou-se num dos momentos mais belos e humanos da história do Cinema.

Coincidência ou não, Hauer veio a falecer no mesmo ano de seu maior personagem, em 2019, ano em que se passa Blade Runner.

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