Uma coisa que descobri que o budismo e a academia têm em comum e que acho útil no mundo atual é uma certa reverência pelas linhagens. No budismo, linhagem é uma sequência vertical de transmissão de ensinamentos: um professor ensina alunos, alguns dos quais se tornam professores que transmitem ensinamentos novamente a alunos, alguns dos quais se tornam professores – e assim por diante. Na academia não se fala em linhagem, mas também existe essa tradição vertical na qual orientadores/pesquisadores transmitem paradigmas/teorias que são absorvidos por alunos/pesquisadores, alguns dos quais levam aquela tradição adiante.
Na arte existe algo parecido – artistas que dão continuidade a ideias e linguagens de seus predecessores, embora suportes mudem de geração pra geração. Mais recentemente, o ativismo preto e dos povos originários vem revalorizando o respeito à ancestralidade. Todo mundo procurando eixo para esse mundo bagunçado.
Apesar das distorções autoritárias e sectárias, graças ao budismo e ao mestrado passei a apreciar profundamente a ideia de linhagem. Nesses âmbitos, por conta da variedade de perspectivas, se você não toma uma trilha, tende a vagar disperso emulando a fragmentação e a superficialidade da cultura mainstream contemporânea. Claro que, quando tomamos qualquer caminho, existe um período necessário de exploração aberta mas, geralmente, se há o desejo de estabelecer um vínculo, um aprendizado e uma prática profundas, aprendi com colegas mais experientes que é preciso parar de tomar toda e qualquer estrada vicinal que surge nos entroncamentos. E o que mas tem hoje em dia no mundo é estrada vicinal. E entroncamentos. E placas luminosas nos convidando a entrar.
Isso não significa só seguir em frente cegamente. Linhagem não deveria ser prisão e nem antolho. Num sentido mais amplo, poderíamos entender linhagem de forma quase literal, como uma linha invisível que liga um conhecimento a outro prévio e a outro prévio ou, num olhar rizomático, a outros ramos e aos ramos dos ramos. Conhecer e respeitar linhagens é uma forma de encontrar e/ou construir sentido e coerência num momento acelerado, fragmentado, ruidoso e nublado da cultura.