Como amante de carros antigos há mais de 25 anos e modesto colecionador, fiquei muito abalado quando soube do falecimento de Itelmar Gobbi, na última sexta-feira, 23. Pra quem carros são apenas meios de transporte, isto nada significa. Mas quem admira ou pratica o antigomobilismo certamente ficou igualmente comovido.
Senti um impulso imediato de prestar uma homenagem ao criador do Miura, mesmo que nunca o tenha conhecido pessoalmente, o que, agora, me causa profundo arrependimento, já que tínhamos dezenas de amigos em comum. Teria bastado um telefonema para que o encontro acontecesse.
Busquei alguns vídeos no YouTube, baixei em meu computador e, em pouco mais de meia hora, montei uma linha do tempo em que o próprio Gobbi contava a história da criação de um dos carros mais incríveis e sofisticados já produzidos no Brasil, ao mesmo tempo em que contava sua própria história.
Postei o vídeo em grupos de miureiros e no meu perfil pessoal no Facebook. Em menos de 24 horas, já somavam, juntos, centenas de compartilhamentos. Também o mostrei ao presidente do Veteran Car Clube do Rio Grande do Sul, meu amigo pessoal, que o utilizou como homenagem oficial da principal entidade de colecionadores do Estado.
Em um desses grupos, um jovem com cerca de 25 anos fez o seguinte questionamento: “se o Miura era, assim, esse carro tão espetacular, por que pararam de fabricá-lo?”. Eu cheguei a pensar em lhe responder, mas percebi que teria de escrever algo demasiado extenso e desacreditei que o rapaz leria até o final.
Se o tivesse feito, lhe diria isto: “como acabaste de ver, no final do vídeo, o sr. Gobbi disse que perder o Miura foi como perder uma parte de si. Creio que ele nunca aceitou ter sido ignorado pelo então presidente Fernando Collor, junto com todos os demais abnegados que, como ele, também produziam carros de sonhos no país.
Sim, meu caro. Miura, Bianco, SM, MP Lafer, Dardo e outros tantos carros que, desde meados dos anos 70 alimentaram sonhos e fizeram a alegria de celebridades, artistas, jogadores de futebol, empresários e todos os que dispunham de pequenas fortunas para adquiri-los –porque fora proibida a importação – ‘morreram’ por inabilidade de Collor.
Ao reabrir a importação, em 1990, ano em que foi empossado, sob a alegação de que ‘os carros brasileiros eram carroças’ (no que não estava errado quanto aos de grandes montadoras), ele desprezou a relevância dos chamados ‘foras de série’, que possuíam sofisticação e tecnologias que nunca se vira por aqui.
O Miura tornou-se referência porque, entre outros itens, foi o primeiro a ter freios ABS. Em 1989! Bem sabes que a legislação brasileira de trânsito só veio a mencioná-los em 2013! O computador de bordo que a Fiat apresentou em 1985 e que se limitava a luzes no painel, no Miura, avisava, por voz sintetizada, que o combustível estava acabando, por exemplo.
Collor abriu o mercado para os automóveis estrangeiros e não adotou qualquer programa ou benefício que visasse preservar essa indústria que, mesmo sendo formada por pequenos fabricantes, junta, somava milhares de empregos – mão de obra altamente qualificada e especializada –, além de gerar vários milhões em impostos.
Ainda que custassem menos, os foras de série perderam rapidamente o espaço frente à concorrência de BMW, Porsche, Mercedes, Audi, Alfa Romeo, Ferrari e afins porque sua clientela buscava status a despeito do preço. Até 1989, cerca de 40 Miura eram vendidos por mês. No ano seguinte, caíram para cinco ou seis. E dois anos depois, ninguém mais o queria.
Assim como todos os outros”.