Na primeira vez que ele juntou o cocô do seu pet, o fez com cara de nojo. Foi uma quase violência contra si mesmo, pois preferiria mil vezes deixar a bosta exatamente onde estava, até porque ela se esvaiu solenemente perto de outras que tinham sido feitas pelos cachorros dos vizinhos que, diferentemente dele, não se importavam com merda de cachorro no chão.
Depois de um tempo, talvez por que agora ele tivesse filhos, conseguiu se conscientizar que fumar em ambientes fechados podia ser desagradável, além de fazer mal a saúde dos outros. Dessa vez, no entanto, o passo foi mais traumático que juntar as fezes de seu cachorro. Era imensa, para dizer a verdade, a força de vontade necessária para recusar a si mesmo o apelo do vício do cigarro e o hábito de encontrar-se com os amigos fumantes. Ao final, depois de muitas idas e vindas, conseguiu habituar-se a tragar seu cigarro sem chatear pessoas.
Passado mais um tempo, decidiu dar um passo mais ousado. Não sem luta, enfrentando seus demônios novamente, quando descobriu que era possível parar o carro para deixar os transeuntes passarem na faixa de segurança. Parece ridículo, mas foi um ato quase heroico, pois a cada frenagem, não apenas atrasava o trânsito, como colocava em risco suas pretensões de chegar mais cedo na próxima sinaleira fechada.
Hoje ele trabalha mentalmente para aceitar que carros o ultrapassem, e já faz planos para aprender a separar o lixo…
Esse nosso amigo, que tanto luta para tornar-se um cidadão urbano, cortês e respeitoso, não tem rosto, nem nome. Ele representa cada um nós. Por que, infelizmente, não nascemos assim! E o mundo lá fora nos incentiva a sermos seu completo oposto. Quer seja no colégio, Igreja, família, faculdades, seja pela educação moral como pela formal, o fato é que raramente nos ensinam sobre a falta de urbanidade que existe em nós mesmos. Até porque essa é uma tarefa celibatária, de confrontação cotidiana com a pressa, a inveja, raiva, temores diversos e toda uma infinidade de pequenas fragilidades do ego.
No dia que olharmos para dentro, e admitirmos como é difícil ser urbano e cortês, perceberemos como somos todos igualmente culpados pelas mazelas dessa baderna que chamamos de sociedade.