Às vezes olho para a minha vida adulta de hoje e penso que eu poderia ter me tornado um executivo babaca e escroto. Óbvio que a educação que recebi da minha família foi fundamental para a construção dos meus valores. Mas não posso negar que um dos motivos por eu não ser babaca e escroto é o fato de ter cursado o antigo segundo grau em um colégio público, federal e gratuito. Um colégio tão bom que alunos de todas as classes sociais brigavam por uma vaga lá. Foi assim que aprendi o que é diversidade, convivendo todos os dias com colegas com nada, pouco e muito dinheiro.
Também não sou babaca e escroto porque os livros me salvaram. Porque fui um adolescente obcecado por J.D Salinger. Porque li os poemas de Allen Ginsberg e nunca questionei a minha sexualidade. Muito pelo contrário, descobri e comecei a respeitar a sexualidade dos outros. Porque eu conheci mais sobre a ditadura com o Marcelo Rubens Paiva e um monte de livros da saudosa Editora Brasiliense. Porque tive uma professora de literatura que me fez ir a uma palestra do Saramago. Porque Morangos Mofados do Caio Fernando Abreu me fez querer ser um escritor movido 100% a emoção (claro que nunca cheguei lá, ninguém nunca será melhor que Caio).
Não sou babaca e escroto porque aos 14 anos descobri The Cure que me levou a The Smiths que me a levou Echo & The Bunnymen que me levou a The Doors e assim por diante. Porque eu troquei 20 discos e 4 meses de mesada por um álbum usado do Lou Reed. Porque ouvia a Rádio Ipanema de Porto Alegre, comprava fitas demos dos Replicantes e dos Cascavelletes.
Educação e cultura (popular ou não). Foi isso que me impediu de ser um cara babaca e escroto. Fico pensando que geração estamos construindo votando em alguém como o Bolsonaro. Imagino o que todos que votam nele pensariam de mim, afinal, o meu segundo e último romance publicado tem uma forte temática homossexual.
Quando penso no que o Brasil está vivendo, lembro do conto Aqueles Dois do Caio. É a história de Raul e Saul, dois funcionários públicos que se apaixonam. Quando o chefe deles descobre que estão juntos, são demitidos. O conto termina quando os dois saem do escritório.
“Mas quando saíram pela porta daquele prédio grande e antigo, parecido com uma clínica ou uma penitenciária, vistos de cima pelos colegas todos postos na janela, a camisa branca de um, a azul do outro, estavam ainda mais altos e mais altivos. Demoraram alguns minutos na frente do edifício. Depois apanharam o mesmo táxi, Raul abrindo a porta para que Saul entrasse. Ai-ai, alguém gritou da janela. Mas eles não ouviram. O táxi já tinha dobrado a esquina.
Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia a gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens no céu, ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram.”
É isso. Tenho quase certeza que todos que irão votar no Bolsonaro tem a nítida sensação que serão infelizes para sempre.
E serão.