Como sempre, quando há uma caça às bruxas, quando se quer “curar o reino” da corrupção, do crime, dos problemas sociais, os fracos de cabeça misturam tudo. E aí quem é diferente dos demais, quem é “alternativo”, quem é questionador, quem tem uma profissão na área das artes, quem não persegue só dinheiro na vida, esses são os bichos-grilos, os vagabundos, os sujos, os vilões.
Observem. Em época de fascismo, artista é bandido, e intelectual tem parte com o canhoto, que é de esquerda.
É o velho ódio ao diferente e às diferenças, o ódio às minorias, e aquela sensação de assepsia, de estar-se limpo e asseado, nobre de alma e superior a toda essa corja degenerada que é feita de pobres, artistas, negros, homossexuais, essas coisas todas que ofendem a pureza. Até “direitos humanos” se transforma num termo negativo, pejorativo, sinônimo de “coisa de vagabundo”, “desculpa de criminoso”.
No entanto, políticos que são investigados por homicídio, que tiveram flagrante com cocaína em helicóptero, que têm dinheiro na Suíça, que chama artistas de vagabundos e diz que “agora vão ter que trabalhar”, e que no entanto é pastor de igreja pentecostal, declaradamente racista e homofóbico, todos esses os puros deixam passar. Por que? Dizem que são necessários nesse processo.
Demissões em massa? É necessário, tenha-se coragem, diz aquele que não perderá seu emprego e vai continuar assistindo tudo dos seus 150 canais de TV. Privatizações? É a solução para o crescimento econômico, diz aquele que sempre poderá pagar para os seus filhos o ensino superior de qualidade e o mestrado, doutorado… E não vai precisar nunca de uma bolsa, de um programa de auxílio pra coisa nenhuma.
Enfim, o problema são os artistas, os intelectuais. São esses “alternativos”, bicho-grilos, desocupados, diferentões, que não sabem o que é um trabalho de verdade, que é a profissão do advogado, do médico, do engenheiro, dos que lidam com a tecnologia, com a economia, com a ciência. Essa coisa de lidar com o pensamento, onde já se viu, é coisa de quem não tem o que fazer.
Lembrem-se. Nos campos de concentração nazistas, os artistas e intelectuais foram os primeiros a virar sabão. Engenheiros, médicos, químicos, advogados e burocratas foram poupados (por um tempo), porque foram considerados “essenciais”.
Mais uma vez, artistas e intelectuais ofendem, apenas por serem artistas e intelectuais – pois no fundo é isso mesmo.
Como dizia Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”. E já está pegando cria de novo. Observem.