
Uma dos efeitos colaterais mais tristes das reformas trabalhistas e da previdência é a construção da imagem do “trabalhador”, especialmente do funcionário público, como “vagabundo” e “sanguessuga”. A maior parte das pessoas passa a vida toda trabalhando direito, inclusive depois da aposentadoria, ganhando um salário merreca, sendo mal atendido na vida tanto pela estrutura pública quanto pela iniciativa privada, pra ser considerado vagabundo e sanguessuga.
É muita sacanagem.
Na segunda metade dos anos 80, meus pais participaram de diversas greves de professores do Estado aqui no Rio Grande do Sul, inclusive de acampamentos na Praça da Matriz. Uma das lembranças mais fortes que tenho é do comunicador Rogério Mendelski xingando os professores no rádio, de uma forma grotesca, absurda. Como se não bastassem serem desvalorizados financeiramente.
O próprio conceito de buscar estabilidade é considerado hoje um defeito, uma falha de caráter. É outro mito que está se construindo, esse de que a competitividade desenfreada, a insegurança geral no mercado de trabalho, melhora o profissional naturalmente. Nem sempre isso é verdade.
Outro dia, no podcast do escritor Sam Harris, o historiador pop do momento, Yuval Noah Harari, comentou sobre um dos fatores que o ajudou a escrever seus dois livros de sucesso (Sapiens e Homo Deus): estabilidade no emprego. Quando ganhou estabilidade na universidade de Israel, ele pôde parar de se preocupar com isso e focar no seu trabalho. O acadêmico, escritor e ativista americano Robert Thurman, também escreveu já sobre o tema (em “The Cool Revolution”), sobre a necessidade de uma certa estabilidade para seu trabalho deslanchar.
O mais curioso é que essas ideias de vagabundagem e sanguessugagem do trabalhador estão sendo propagadas de forma estratégica por pessoas e instituições que tem uma série de prerrogativas financeiras e políticas que lhes dão privilégios negados à maior parte da população brasileira. São pessoas que acumulam salários e benefícios, que fazem uma bagunça danada sobre o público e o privado, que se aposentam cedo, que atropelam leis a seu bel prazer; ou então são pessoas que tem acesso irrestrito aos corredores do poder por conta de sua posição econômica, que chafurdam no lobby, que reclamam da justiça do trabalho mas que fazem fila no CARF pra recorrer de suas dívidas – enquanto são implacáveis com a dívida e as demandas dos outros.
É muita sacanagem.